Ensino em Braga tem quase mil anos e inspirou Faculdade de Filosofia

Quarta-feira, Junho 4, 2025 - 15:09
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Diario do Minho

O ensino na cidade de Braga nasceu há cerca de mil anos e a primeira escola bracarense é ainda mais velha que a Sé de Braga. Esteve intimamente ligada ao Cabido e teve como missão central a formação dos clérigos. A certeza resulta de uma investigação realizada pelo historiador José Marques, que coloca a “Escola Capitular” como uma das mais antigas do país. Sem dados concretos quanto à data precisa da sua criação, a investigação produzida pelo sacerdote bracarense - falecido em 2021, aos 83 anos de idade - dá conta que a escola já tinha alunos em 1072 e terá sido criada no nos primeiros tempos de governo do Arcebispo D. Pedro, que liderou os destinos da Arquidiocese entre 1071 e 1096.

Segundo José Marques, «intimamente ligada à vida do cabido está a da sua escola [Escola Capitular], cuja criação constituiu uma das primeiras preocupações do bispo D. Pedro». É que «se o cabido deveria constituir o melhor auxiliar do prelado na sua acção organizadora, administrativa e pastoral, era necessário preparar um grupo de escol, capaz de assegurar, com perfeição, o serviço futuro», acrescenta o investigador, precisando que «esse objectivo começou a concretizar-se desde o início do seu governo, pois no dia 1 de Maio de 1072 já há notícia de quatro alunos da escola capitular, designados como «illos puerulos Mito Viliamondiz, Onorico Viliamondiz, Ordonio Daludiz, Ordonio Eldebrediz».

«A criação desta escola não se pode separar do objectivo de contribuir para a preparação de futuros clérigos e de quadros superiores para o governo da diocese. Quase dezassete anos depois, em 30.7.1099, aparecem mais dois alunos ou “pueruli” da escola capitular – Paio e Mido – como testemunhas numa doação feita a D. Geraldo e à Sé, o que indica que se trata de jovens com idade legal para poderem testemunhar», continua a investigação do historiador natural de Melgaço.

O trabalho de investigação publicado no Dicionário de História Religiosa de Portugal e, posteriormente, na Enciclopédia da História Religiosa em Portugal, faz também saber que «de entre os primeiros quatro alunos da escola capitular de Braga, sobressai Honorico Viliamondes, cujo primeiro documento conhecido da sua autoria data de 17.3.1075 – isto é, menos de três anos após a sua identificação como aluno – e que, em 24.6.1115, continuava a elaborar documentos da cúria de Braga».

«Estas duas datas extremas e muitas outras intermédias permitem-nos afirmar que Honorico Viliamondes ou Guilhamondes – uma das primícias da escola capitular de Braga – se conservou ao serviço da restaurada diocese de Braga, no exercício destas funções, no respectivo scriptorium, pelo menos durante 40 anos», continua a investigação, para destacar que «há notícia de que, em 29.10.1165 e 22.3.1212, os candidatos à escola da sé de Braga continuavam a ser referidos na documentação pelos termos “puer” e “pueri”, o que comprova que a mesma continuava».

Ainda segundo José Marques, «três dos alunos que frequentaram a escola capitular, nos últimos anos de vida de D. João Peculiar, depuseram no inquérito mandado organizar por D. Estêvão Soares da Silva, em 1216, a propósito da questão de primazia levantada pelo arcebispo de Toledo, D. Rodrigo Ximenez de Rada, por ocasião do IV Concílio de Latrão (...). Estes testemunhos demonstram a vitalidade da escola do cabido nos meados e no terceiro quartel do século XII», salienta a investigação.

Faculdade de Filosofia assume herança da Escola Capitular

Aquela que foi a primeira escola de Braga começou a decair dois séculos mais tarde, por força dos «nefastos efeitos da Peste Negra no cabido de Braga» e pelas implicações políticas que resultaram da crise dinástica aberta pela morte de D. Fernando. A missão de ensino que tinha sido assumida pela Escola Capitular teria mais tarde continuidade através da criação do Colégio de São Paulo, que passou a ser orientado por padres jesuítas, por decisão de D. Frei Bartolomeu dos Mártires.

Com a criação do Seminário Conciliar, em 1572, e a criação de uma escola de Teologia, no Convento do Pópulo, «Braga passou a dispor de várias instituições de ensino, mais modernas e dinâmicas em relação à antiga escola capitular», refere José Marques.

Assumido é também que a escola do Cabido não deixou de inspirar a criação da Universidade Católica em Braga (UCP). A própria instituição assume esse legado na nota sobre a História da Faculdade de Filosofia e Ciências Sociais.

«Quando em Itália, na cidade que empresta o nome ao chamado Processo de Bolonha, é criada a universidade (1088), já no território que viria ser Portugal funcionava não uma universidade, mas uma escola particular, com o respetivo mestre, para ensinar os alunos que quisessem acorrer à Escola do Cabido, aninhada junto à Sé de Braga», refere a publicação do Centro Regional de Braga da UCP, assumindo «que é na tradição de tal escola, no longínquo ano de 1072 (ou mesmo antes), que a Faculdade de Filosofia e Ciências Sociais, enquanto natural continuadora da Faculdade de Filosofia, se coloca». Acentua a resenha histórica «que foi exatamente esta (Faculdade de Filosofia) a primeira escola superior não estatal a conferir graus académicos de licenciatura e doutoramento em Portugal».