A apresentação de uma tese de doutoramento, no âmbito dos Estudos da Religião, com o título “Igreja e Império na Cronografia de Teófanes Confessor: A interpretação da História no tempo da crise iconoclasta”, provocará certamente um misto de estranheza e admiração. Quem, em Portugal, se dedica ao estudo da história do Império Romano do Oriente, normalmente referido como Império Bizantino? Isto, não obstante as referências de filósofos contemporâneos como Marie-José Mondzain (quanto ao estatuto da imagem e ao poder do visual) e de Giorgio Agamben (quanto aos dispositivos económicos) relativamente à influência que o pensamento e a linguagem deste Império que durou cerca de um milénio tem nos eixos culturais e sociais da contemporaneidade.
O trabalho de investigação foi no passado dia 13 de fevereiro defendido na Faculdade de Filosofia e Ciências Sociais da Universidade Católica Portuguesa (UCP), em Braga, por André Vieira Antunes que, além de investigador e tradutor, é também o responsável pelo projeto Communitas Bracarensis, uma escola aberta de Latim e Grego, com cursos presenciais e online, segundo o método de aprendizagem da língua viva. O projeto teve a orientação dos professores José Carlos Miranda e Manuel Summares (UCP).
No centro do trabalho, uma tradução, para português, de um texto em grego medieval, a “Cronografia de Teófanes Confessor”, datável do século IX d. C. À tradução, junta-se uma contextualização histórica e teológica do período e do que se refere como a Crise Iconoclasta. Se esta é habitualmente exposta em breves linhas como uma questão cultural e pastoral – a rejeição ou aceitação do culto dos ícones –, as várias décadas de conflitos que opuseram as autoridades imperiais de Bizâncio com comunidades monásticas e de crentes situam esta problemática num panorama mais vasto.
Primeiro, a da autoridade do Imperador e da sua relação com a hierarquia eclesiástica: se o ícone enquanto lugar de mediação cristológica é rejeitado por aquele, está em causa uma política de controlo do visual e do estético. Mas também uma política unificante, perante as ameaças externas ao Império (da Pérsia e do Islão) e as várias correntes que, de modo mais ou menos subterrâneo na história, mantiveram a pluralidade do Cristianismo (judeo-cristãos, nestorianos, monofisitas). Isto num tempo em que, para o bem e para o mal, as controvérsias teológicas e cristológicas alimentavam os campos de força do pensamento e da política.
A história deste Império Romano é a história da Europa, a história do conflito na Ucrânia, a história das tensões (latentes) nos Balcãs e (patentes) no Médio Oriente. É também a história do Cristianismo num dos seus pulmões, o da Ortodoxia, que tanto tem a ensinar à nossa cultura latina sobre a liturgia, a sinodalidade, a pneumatologia, a oração meditativa e sensitiva. Talvez por isso o trabalho apresentado por André Antunes tenha recebido, da parte do júri, a melhor classificação possível. Espera-se para breve a publicação editorial deste texto e que o autor, com provas dadas no campo do ensino e divulgação das línguas clássicas, continue também a proporcionar-nos conhecer melhor esta História do Cristianismo.