THERMOS: Encontros Literários das Caldas das Taipas

Segunda-feira, Junho 2, 2025 - 09:41
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Diario do Minho

Ontem e hoje, sábado, realiza-se na vila de Caldas das Taipas (Guimarães) um Encontro de Escritores contemporâneos. O evento tem o apoio da Junta das Taipas e do Município de Guimarães. O evento tem a curadoria de Pompeu Martins, também ele poeta com obra publicada. Entre as entidades parceiras do evento está a Universidade Católica Portuguesa – Faculdade de Filosofia e Ciências Sociais.

Este evento cultural e literário acontece dentro de um imaginário termalista, muito marcante nomeadamente em várias localidades do Norte de Portugal. Recorde- -se que as Termas das Taipas contam na sua longa história com a presença de escritores como Camilo Castelo Branco e Ferreira de Castro, entre outras personalidades. Por conseguinte, trata-se agora de revitalizar o espírito cultural associado a este espaço.

Deste modo, este evento cultural pretende resgatar essa tradição, revitalizando as Termas das Taipas como espaço privilegiado de encontro e de tertúlia com escritores portugueses. Entre os escritores convidados contam-se: Dulce Maria Cardoso, Luís Filipe Castro Mendes, Cláudias Lucas Chéu, Lauren Mendinueta, Ana Gil e Luís Aguiar. Estes dois últimos autores apresentam publicamente os trabalhos resultantes das suas residências artísticas.

Estes Encontros Literários têm um programa variado de atividades, realizadas em vários locais específicos – oficinas de escrita e de ilustração, exposições, leituras dramatizadas, conversas com escritores, teatro, apresentação de trabalhos resultantes de residências artísticas, etc. Tem como alvo quer o público em geral, quer o público das escolas (alunos e professores).

Aproveita-se a ocasião da presença de alguns escritores para uma brevíssima entrevista conjunta, em que três escritores respondem às mesmas questões.

Cada um destes autores tem obra publicada: o mais recente livro de Luís Filipe Castro Mendes intitula-se “As Manhãs Que Não Conheces” (Assírio & Alvim); de Cláudia Lucas Chéu, “Aqueles Que Vão Morrer” (Labirinto); e de Lauren Mendinueta (natural da Colômbia), “Se o Amor Fosse Possível” (Labirinto).

Como situa a singularidade da sua escrita (poesia) face às tendências contemporâneas? Há uma obra que melhor define a sua poética?

– Luís Castro Mendes: Quem quer que se meta a escrever poesia tem atrás de si as vozes singulares e fortes de todos os grandes poetas que leu. É o seu legado e ao mesmo tempo a sua maldição. Qualquer voz que se pretenda singular tem que se confrontar com todos aqueles de quem é herdeiro, e isso pode levar à “angústia de influência” edipiana que Harold Bloom teorizou, pois que estamos sempre sob a ameaça de não passar além do epigonismo. Temos uma tradição poética rica e diversa, e pessoalmente considero- -me como parte desses que trabalham a língua portuguesa nos seus poemas, sem excessivas preocupações prescritivas ou programáticas, mas em permanente diálogo com a tradição, seja numa conversa amena, seja numa luta como a de Jacob com o Anjo.

– Cláudia Lucas Chéu: Não sei dizer se existem singularidades na minha escrita, nomeadamente na poesia. Deixo essa avaliação para os leitores e/ou críticos. Há, no entanto, uma obra que me serve de referência — a poesia de Álvaro de Campos. Sou uma unha do dedo mínimo deste heterónimo de Fernando Pessoa.

– Lauren Mendinueta: Interessa-me explorar as mais diversas possibilidades da poesia e da linguagem. Nunca pensei em fazer parte de uma tendência. Sou uma leitora muito eclética, amo as mais diversas formas da arte e não quero fazer parte de nenhuma. O que eu procuro é o segredo, eu aspiro a chegar ao coração da realidade com as palavras. Aspiro a ser uma poetisa honesta com a minha vocação, é por isso que cada livro que escrevo define a minha poética e a completa. A minha poética é o todo, um compromisso de viver na e para a poesia. Ao nível do ensino dos mais jovens no sistema escolar, qual o espaço que a poesia deve ocupar ao nível da educação literária?

– Luís Castro Mendes: É lamentável o descaso que se fez da literatura e da poesia no ensino do Português no Ensino Secundário. A aprendizagem do uso da língua não pode ser reduzida ao nível meramente denotativo e utilitário, não abrindo portas a uma leitura mais complexa e, finalmente, mais humana (porque a literatura é a maior mostra do que significa ser humano). A palavra poética abre horizontes novos e insuspeitados aos jovens leitores. É a nossa capacidade crítica e criativa que se vê posta em causa por um ensino meramente utilitário.

– Cláudia Lucas Chéu: Sei que ocupa um espaço muito reduzido porque tenho uma filha que frequenta o 3.º ciclo. Observo com alguma perplexidade o manual da disciplina de Português. São os mesmo poetas que eram estudados há 30 anos. A Florbela Espanca e o Eugénio de Andrade, por exemplo. Não desvalorizo a obra destes autores, mas penso que devia existir maior diversidade. Mais foco na poesia e menos na prosa narrativa. A poesia podia e devia ser uma arma benévola colocada nas mãos dos mais jovens. Porque a poesia é um meio e não um fim; os mais jovens entendem.

– Lauren Mendinueta: Teríamos melhores resultados académicos se lêssemos mais poesia nas escolas. Cada vez contamos com mais evidência científica que demonstra que ler poesia ajuda ao desenvolvimento de certas habilidades no nosso cérebro como o desenvolvimento do pensamento crítico e ajuda a melhorar as nossas habilidades na resolução de problemas. Ler poesia serve para desenvolver uma outra maneira de olhar para a realidade, uma maneira mais rica e abrangente. Falta mais poesia nas escolas, porque como se vê os benefícios vão mais além da educação literária e chegam à vida mesma das pessoas, que é o que em verdade interessa. Qual o lugar ou poder da palavra poética na sociedade de hoje, dominada por guerras, crises de vária ordem, num crescente clima de incerteza, instabilidade e de medo?

– Luís Castro Mendes: A poesia, por si própria, não pode nada, como disse Auden. Mas a poesia só se vai completar nos seus leitores, no alcance mais ou menos eficaz que a palavra poética consiga atingir ao ser lida. Por isso, o único poder da poesia é mexer nas ideias e nos sentimentos de quem a lê e mostrar-lhe os caminhos para além do possível. É que só pensando além das falsas evidências poderemos transformar o mundo.

– Cláudia Lucas Chéu: A poesia tem um poder de alcance que é temido por todos os regimes totalitários. É por isso que sempre se calaram os artistas e sobretudo os poetas. São perigosos. Em temos de crise, de guerra, a poesia pode ter a força do belo e do sublime (expor o horror). Só escreve poesia quem tem coragem de olhar o mundo de frente, quem não se conforma com a humanidade tal como ela é. O resto são rodriguinhos.

– Lauren Mendinueta: A poesia não vai nos salvar da barbárie. A história da humanidade é um cúmulo de guerras e tempos difíceis mas as palavras ajudam-nos sempre a sobreviver. Para mim as palavras são sagradas e constroem a realidade. As leis e a poesia estão feitas de palavras, e ambas podem mudar o mundo. Com as palavras se faz a guerra mas sem as palavras não é possível fazer paz. Uma das principais tarefas de nós poetas é guardar a memória e proteger as palavras da nossa tribo humana, porque as palavras são sagradas e poderosas.