Desde de 25 de Abril de 1974, a RTP teve 28 presidentes, com uma média de duração no cargo de 1 ano, 10 meses e 18 dias. A maior rotatividade ocorreu nas primeiras décadas, como ilustram as breves lideranças de João António de Figueiredo (7 dias, 1975), José Emílio da Silva (13 dias, 1975) e António Monteiro de Lemos (1 mês e 21 dias, 1992- -1993). Os exercícios mais longos são mais recentes, cabendo a Gonçalo Reis (2015-2021), José Manuel Coelho Ribeiro (1986-1992) e Almerindo Marques (2002-2007). No mesmo período, houve ainda 27 diretores de informação – sem contar o mandato que agora inicia Vítor Gonçalves –, o que traduz uma média de permanência de 1 ano, 11 meses e 8 dias. Do mesmo modo, as lideranças mais prolongadas ocorreram após a entrada de Portugal na CEE: José Eduardo Moniz (1986-1994), António José Teixeira (2020-2025) e António Luís Marinho (2004-2008).
Nesse intervalo, Portugal conheceu seis governos provisórios e 25 governos constitucionais. Durante a fase inicial da democracia consolidada (1976-2002), os executivos duraram em média 1 ano, 10 meses e 3 dias. Desde 2002, a média subiu para 2 anos, 1 mês e 11 dias. A democracia amadureceu, é certo, mas a longevidade governativa não evoluiu assim tanto. Mas será que as mudanças no topo da RTP têm seguido o compasso das mudanças políticas? Desde a Revolução dos Cravos, 10 dos 28 presidentes (35,7%) e 9 dos 27 diretores de informação (33,3%) foram nomeados até um ano após a entrada em funções de um novo executivo. Importa, todavia, saber o que sucede quando há mudança de maioria. Desde 1976, registaram- -se nove transições efetivas de partido ou coligação. Em dois terços dos casos (6) foi nomeado um novo presidente até um ano após a entrada em funções do executivo e em quase metade (4) houve também substituição na direção de informação.
As estatísticas mostram sinais de influência política nas nomeações, mas a autonomia não se joga apenas nas chefias. Revela-se nos alinhamentos dos noticiários, na distribuição do tempo de antena, no enquadramento dos temas, na pluralidade (ou falta dela) do comentário político e por aí adiante. Em vários países, o serviço público tem sido alvo de contestação não apenas por ser considerado oneroso ou próximo do poder político, mas também por manter, em certos momentos, uma margem de liberdade face aos interesses de grupos económicos com agendas próprias. O caso francês é, neste contexto, paradigmático.
A ministra da Cultura francesa Rachida Dati enfrenta várias acusações formuladas pela justiça ou reveladas por investigações jornalísticas credíveis: foi formalmente acusada de corrupção passiva e tráfico de influência, relacionados com pagamentos de 900 000 € da Renault-Nissan BV; terá omitido joias avaliadas em 420 000 € na declaração de património; terá recebido 300 000 € da GDF Suez enquanto eurodeputada; e é alvo de críticas pela proximidade aos regimes do Azerbaijão e Catar. A 18 de junho, na emissão C à vous (France 5), recusou responder às perguntas de Patrick Cohen e Anne-Élisabeth Lemoine, ameaçando-os com denúncias por assédio moral e formulando acusações pessoais sobre alegadas más práticas laborais nas redações que lideram. Não é por acaso que Dati tem em carteira a fusão e posterior privatização do grupo France Télévisions, em nome de racionalizações orçamentais, proposta que tem suscitado fortes críticas de jornalistas, sindicatos e especialistas em liberdade de imprensa.
Entretanto, o grupo Bolloré (CNews, Canal+, Europe 1, Le Journal du Dimanche, Paris Match) tem vindo a consolidar a sua posição no espaço mediático, promovendo agendas políticas de extrema-direita. A ideia de que os media privados são “por natureza” mais independentes é contrariada pelos casos frequentes de interferência editorial por parte de acionistas com interesses ideológicos ou económicos bem definidos. A defesa de um serviço público de media forte, plural e bem financiado, sujeito ao escrutínio público, mantém-se central num ecossistema cada vez mais dominado por lógicas de mercado. Nesse contexto, o caso de Cyril Hanouna, apresentador do canal privado C8 – também propriedade de Bolloré – é emblemático: o programa Touche pas à mon poste! foi sancionado pela reguladora ARCOM com multas de 7,6 milhões de euros (2022-2023) por insultos, discurso de ódio e violação das obrigações de pluralismo e ética. Em 2024, a ARCOM decidiu mesmo não renovar a licença de emissão terrestre do canal, decisão confirmada pelo Conselho de Estado francês (2025).
Desde então, Cyril Hanouna já encontrou outro canal privado para continuar as suas aventuras. Todavia, este caso ilustra como autoridades reguladoras com poderes efetivos são essenciais para proteger o espaço público democrático face a certas derivas e práticas abusivas. Será que dispomos de mecanismos robustos e independentes para responder a cenários semelhantes? No contexto português, é legítimo antecipar que novas formas de contestação ao serviço público de media venham a ganhar força nos próximos tempos por razões que nem sempre serão apenas orçamentais. O que está em causa é quem controla o acesso a uma informação fiável e plural. Um serviço público independente continua a ser um pilar básico de uma democracia que se quer robusta.
*Professor da Universidade Católica Portuguesa – Braga