A Mensagem de Papa Francisco: "Procurai e arriscai."

Sexta-feira, Agosto 4, 2023 - 16:46

"Caros irmãos e irmãs: Bom dia!

 

Obrigado, Senhora Reitora, pelas suas palavras. Obrigado. Disse que todos nos sentimos "peregrinos". É uma palavra bonita, cujo significado merece ser refletido. Significa, literalmente, deixar de lado a rotina quotidiana e pôr-se a caminho com um objetivo, "atravessar os campos" ou "ultrapassar os limites", isto é, sair da zona de conforto, em direção a um horizonte de sentido. O termo "peregrino" reflecte o comportamento humano, porque cada um é chamado a confrontar-se com grandes questões que não têm resposta, [não têm] uma resposta simplista ou imediata, mas que convidam a empreender uma viagem, a superar-se, a ir mais além. É um processo que um estudante universitário compreende bem, porque é assim que nasce a ciência. E é também assim que cresce a busca espiritual. Peregrinar é caminhar em direção a uma meta ou em busca de uma meta. Há sempre o perigo de caminhar num labirinto, onde não há meta. Também não há saída. Desconfiemos das fórmulas pré-fabricadas - são labirínticas - desconfiemos das respostas que parecem estar ao alcance da mão, daquelas respostas tiradas da manga como cartas de baralho; desconfiemos das propostas que parecem dar tudo sem pedir nada. Desconfiemos.  A desconfiança é uma arma para poder avançar e não andar sempre em círculos. Uma das parábolas de Jesus diz que quem encontra a pérola de grande valor é aquele que a procura com inteligência e espírito de iniciativa, e dá tudo, arrisca tudo o que tem para a obter (cf. Mt 13, 45-46). Procurar e arriscar: estes são os dois verbos do peregrino. Procurar e arriscar.

Pessoa disse, de forma atribulada mas correcta, que "estar insatisfeito é ser homem" (O Quinto Império, in Mensagem). Não devemos ter medo de nos sentirmos inquietos, de pensarmos que o que fizemos não é suficiente. Estar insatisfeito - neste sentido e na sua justa medida - é um bom antídoto contra a presunção de autossuficiência e contra o narcisismo. A incompletude define a nossa condição de buscadores e peregrinos, como diz Jesus, "estamos no mundo, mas não somos do mundo" (cf. Jo 17,16). Caminhamos "em direção". Somos chamados a algo mais, a uma descolagem sem a qual não há voo. Não nos assustemos, pois, se nos encontrarmos interiormente sedentos, inquietos, incompletos, desejosos de sentido e de futuro, com saudades do futuro! E aqui, juntamente com as saudades do futuro, não nos esqueçamos de manter viva esta memória do futuro. Não estamos doentes, estamos vivos! Preocupemo-nos antes quando estamos prontos a substituir o caminho a percorrer pela paragem em qualquer oásis - mesmo que esse conforto seja uma miragem -; quando substituímos os rostos pelos ecrãs, o real pelo virtual; quando, em vez de perguntas que dilaceram, preferimos respostas fáceis que anestesiam; e podemos encontrá-las em qualquer manual de relações sociais, de como se comportar bem. As respostas fáceis anestesiam.

Amigos, permitam-me que vos diga: procurai e arriscai. Neste momento histórico, os desafios são enormes, os gemidos são dolorosos - estamos a viver uma terceira guerra mundial aos pedaços -, mas abraçamos o risco de pensar que não estamos em agonia, mas em trabalho de parto; não estamos no fim, mas no início de um grande espetáculo. E é preciso coragem para pensar assim. Sejam, portanto, protagonistas de uma "nova coreografia" que coloca a pessoa humana no centro, sejam coreógrafos da dança da vida. Achei inspiradoras as palavras da Reitora, sobretudo quando disse que "a universidade não existe para se preservar como instituição, mas para responder com coragem aos desafios do presente e do futuro". A auto-preservação é uma tentação, é um reflexo condicionado do medo, que nos faz olhar para a existência de uma forma distorcida. Se as sementes se preservassem, desperdiçariam completamente o seu poder gerador e condenar-nos-iam à fome; se os invernos se preservassem, não haveria a maravilha da primavera. Tenham, portanto, a coragem de substituir os medos pelos sonhos; substituam os medos pelos sonhos; não sejam administradores de medos, mas empreendedores de sonhos!

Seria um desperdício pensar numa universidade empenhada em formar novas gerações apenas para perpetuar o atual sistema elitista e desigual do mundo, em que o ensino superior é um privilégio de poucos. Se o conhecimento não for aceite como uma responsabilidade, torna-se estéril. Se aqueles que receberam o ensino superior - que hoje, em Portugal e no mundo, continua a ser um privilégio - não se esforçarem por devolver parte daquilo de que beneficiaram, não compreenderam verdadeiramente o que lhes foi oferecido. Gosto de lembrar que, no Génesis, as primeiras perguntas que Deus faz ao homem são: "Onde estás?" (3,9) e "Onde está o teu irmão?" (4,9). Será bom perguntarmo-nos: onde estou eu? Estou fechado na minha bolha ou corro o risco de deixar as minhas seguranças para ser um cristão praticante, um artesão da justiça, um artesão da beleza? E também: onde está o meu irmão? Experiências de serviço fraterno como a Missão País, e tantas outras que nascem no ambiente académico, deveriam ser consideradas indispensáveis para quem vai para a universidade. O diploma, de facto, não pode ser visto apenas como uma licença para construir o bem-estar pessoal, não, mas como um mandato para se dedicar a uma sociedade mais justa, mais inclusiva, ou seja, mais desenvolvida. 

Disseram-me que uma das vossas grandes poetisas, Sophia de Mello Breyner Andresen, numa entrevista que é uma espécie de testamento, à pergunta: "O que gostaria de ver realizado em Portugal neste novo século", respondeu sem hesitar: "Gostaria de ver justiça social, a redução das diferenças entre ricos e pobres" (Entrevista de Joaci Oliveira, in Cidade Nova, 3/2001). Remeto esta questão para vós. Caros estudantes, peregrinos do conhecimento, o que é que gostariam que acontecesse em Portugal e no mundo? Que mudanças, que transformações? E como é que a universidade, sobretudo a Católica, pode contribuir para isso?

Beatriz, Mahoor, Mariana, Tomás, agradeço-vos os vossos testemunhos; todos eles tinham um tom de esperança, uma carga de entusiasmo realista, não havia queixas nem voos ilusórios para a frente. Quereis ser protagonistas, "protagonistas da mudança", como disse a Mariana. Ao ouvir-vos, lembrei-me de uma frase que talvez vos seja familiar, do escritor José de Almada Negreiros: "Sonhei com um país onde todos se tornassem mestres" (A Invenção do Dia Claro). Este velho que vos fala - porque eu já sou velho - também sonha que a vossa geração seja uma geração de mestres: mestres de humanidade, mestres de compaixão, mestres de novas oportunidades para o planeta e os seus habitantes, mestres de esperança. E mestres que defenderão a vida do planeta, ameaçada neste momento por uma grave destruição ecológica.

Como alguns de vós já disseram, temos de reconhecer a urgência dramática de cuidar da nossa casa comum. No entanto, isso não pode ser feito sem uma conversão do coração e uma mudança na visão antropológica que está na base da economia e da política. Não nos podemos contentar com simples medidas paliativas ou compromissos tímidos e ambíguos. Neste caso, "o meio-termo é apenas um pequeno adiamento do colapso" (Carta Encíclica Laudato si', 194). Não vos esqueçais disto. O meio-termo é apenas um pequeno atraso em relação ao colapso. Trata-se antes de tomar a seu cargo aquilo que, infelizmente, continua a ser adiado, a saber: a necessidade de redefinir aquilo a que chamamos progresso e evolução. Porque, em nome do progresso, abriu-se o caminho para uma grande regressão. Estudem bem o que vos estou a dizer. Em nome do progresso, abriu-se o caminho para uma grande regressão. Vós sois a geração que pode vencer este desafio, tendes as ferramentas científicas e tecnológicas mais avançadas, mas, por favor, não caiais na armadilha das visões parciais.Não se esqueçam de que precisamos de uma ecologia integral; precisamos de ouvir o sofrimento do planeta ao lado do sofrimento dos pobres; precisamos de colocar o drama da desertificação ao lado do drama dos refugiados, a questão da migração ao lado da diminuição da natalidade; precisamos de tratar a dimensão material da vida dentro de uma dimensão espiritual. Não para criar polarizações, mas para criar visões globais.

Obrigado, Tomás, por ter dito que "uma autêntica ecologia integral não é possível sem Deus", que "não pode haver futuro num mundo sem Deus". Gostaria de vos dizer para tornarem a fé credível através de decisões. Porque se a fé não gera estilos de vida convincentes, não faz fermentar a massa do mundo. Não basta que um cristão esteja convencido, tem de ser convincente. As nossas ações são chamadas a refletir a beleza - alegre e radical - do Evangelho. Além disso, o cristianismo não pode ser visto como uma fortaleza rodeada de muralhas, que se ergue como um bastião contra o mundo. Por isso, achei muito incisivo o testemunho da Beatriz quando disse que é precisamente "a partir da esfera da cultura" que se sente chamada a viver as bem-aventuranças. Em cada época, uma das tarefas mais importantes dos cristãos é recuperar o sentido da incarnação. Sem a incarnação, o cristianismo torna-se uma ideologia, e a tentação das ideologias cristãs, entre aspas, é muito atual; é a incarnação que nos permite ficar maravilhados com a beleza que Cristo revela através de cada irmão e irmã, de cada homem e mulher.

A este propósito, é interessante que na nova cátedra dedicada à "Economia de Francisco" tenham incluído a figura de Clara. De facto, a contribuição das mulheres é indispensável. Quantas vezes, no inconsciente coletivo, se pensa que as mulheres são de segunda categoria, que são suplentes, que não jogam a titular. E isso existe no inconsciente coletivo. A contribuição feminina é indispensável. Aliás, na Bíblia, vemos como a economia da família está em grande parte nas mãos da mulher. Ela, com a sua sabedoria, é a verdadeira "regente" do lar, cujo objetivo não é exclusivamente o lucro, mas o cuidado, a convivência, o bem-estar físico e espiritual de todos, e também a capacidade de partilhar com os pobres e os estrangeiros. E é apaixonante empreender os estudos económicos nesta perspetiva, com a intenção de restituir à economia a dignidade que ela merece, para que não fique nas mãos do mercado selvagem e da especulação.

A iniciativa do Pacto Global para a Educação e os sete princípios que estabelecem a sua arquitetura incluem muitos destes temas, desde o cuidado com a casa comum até à plena participação das mulheres, passando pela necessidade de encontrar novas formas de compreender a economia, a política, o desenvolvimento e o progresso. Convido-vos a estudar o Pacto Mundial para a Educação, a apaixonarem-se por ele. Um dos pontos que aborda é o da educação para o acolhimento e a inclusão. E não podemos fingir que não ouvimos as palavras de Jesus em Mateus capítulo 25: "Eu estava de passagem e eles acolheram-me" (v. 35). Acompanhei com emoção o testemunho de Mahoor, quando ela evocou o que significa viver com "o sentimento constante de falta de casa, de família, de amigos [...], de ficar sem casa, sem universidade, sem dinheiro [...], cansada e exausta e abatida pela dor e pela perda". Ela disse-nos que recuperou a esperança porque algumas pessoas acreditaram no impacto transformador da cultura do encontro. Cada vez que alguém pratica um gesto de hospitalidade, isso provoca uma transformação.

Amigos, estou muito feliz por vos ver como uma comunidade educativa viva, aberta à realidade e consciente de que o Evangelho não é um mero ornamento, mas anima as partes e o todo. Sei que o vosso caminho inclui diversos âmbitos: o estudo, a amizade, o serviço social, a responsabilidade civil e política, o cuidado da casa comum e a expressão artística. Ser uma universidade católica significa sobretudo isto: que cada elemento está em relação com o todo e que o todo se encontra nas partes. Deste modo, ao mesmo tempo que adquirimos competências científicas, amadurecemos como pessoas, no conhecimento de nós próprios e no discernimento do nosso próprio caminho. Caminho sim, labirinto não. Então vamos em frente! Uma tradição medieval conta que, quando os peregrinos do Caminho de Santiago se cruzavam, um cumprimentava o outro com a exclamação: "Ultreia", e o outro respondia: "et Suseia". São expressões de encorajamento para continuar a procura e o risco de caminhar, dizendo uns aos outros: "Vamos, continua, continua!" E é isso que também desejo a todos vós, de todo o coração. Muito obrigado."

 

Discurso do Papa Francisco
no Encontro com Jovens Universitários na Universidade Católica Portuguesa