Ler para descobrir o mundo e a si próprio

Quinta-feira, Fevereiro 29, 2024 - 12:24
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Diario do Minho

Hoje, às 14h30, Luís da Silva Pereira é convidado para uma Jornada de Educação Literária no Auditório Isidro Alves da Universidade Católica Portuguesa, na rua de Camões.

Numa primeira parte do programa, será apresentada a sua mais recente obra, Histórias de Nonô, em diálogo com o autor, a atuação da Academia Allegro e a presença de turmas de crianças de escolas da cidade. Num segundo momento, tem lugar uma mesa-redonda de reflexão sobre Literatura infantil, descoberta do mundo e formação de leitores.

O evento é de entrada livre.

Esta é uma iniciativa de docentes que integram o Plano Local de Leitura (PLL) de Braga, dinamizado pelo Município de Braga, em colaboração com investigadores das Universidades Católica e do Minho. Ao mesmo tempo que se reflete sobre o lugar do livro e da leitura na formação dos leitores mais jovens, presta-se homenagem a este docente (Luis da Silva Pereira) da Faculdade de Filosofia e Ciências Sociais da UCP, depois de uma vida inteiramente dedicada ao ensino e à investigação nesta universidade.
 

Ler para descobrir o mundo e a si próprio

Como surgiu a inclinação, o gosto ou vocação da escrita infanto-juvenil no professor e investigador de Literatura Portuguesa, especializado em Camões?
Surgiu quase por acaso. Para ocupar o tempo em que esperava, no café A Brasileira, por minhas filhas que frequentavam o curso de inglês no Instituto Britânico, fui escrevendo aquelas histórias que vieram a ganhar o Prémio Adolfo Simões Muller para Literatura Infantil, a que dei o nome de Histórias de Davidim. O Davidim era uma criança que andava há muito tempo a brincar dentro de mim e como que a chamar-me para lhe dar voz. Senti um gosto muito especial ao escrevê-las até porque me afastavam da escrita mais árida dos trabalhos académicos.

Como encontra inspiração para as suas nar-rativas, desde as Historias de Davidim até às mais recentes Histórias de Nonô?
A inspiração para as histórias infantis vem, normalmente, de situações concretas que me despertam a atenção e me encantam pela espontaneidade e inocência das crianças. Depois amplio-as, deixando vogar livremente a imaginação, sem esquecer, contudo, que os enredos exigem verosimilhança, isto é, coerência e lógica nas situações. Julgo que é assim que nasce a grande maioria das narrativas literárias infantis e não infantis.

Quais os maiores desafios da escrita para a infância e juventude, desde logo no plano da expressão, da língua e do estilo?
O maior desafio é ser capaz de conciliar uma linguagem acessível às crianças e aos jovens com a necessidade de enriquecer essa mesma linguagem, de modo a potenciar a sua expressividade e desenvolver na criança a capacidade de pensar e de exprimir as suas emoções. A literatura infantil, como qualquer outra, aliás, deve levar o leitor a ler não apenas o livro, mas a ler-se a si próprio no livro. A criança deverá sentir que o que está a ler revela, de algum modo, o que ela sente e pensa acerca de si e dos outros.

Nestas histórias, o leitor depara-se com sequências que exploram o mundo da fantasia e do maravilhoso. Por que razão essa dimensão é importante?
Sim, é verdade. Todas as histórias apresentam, a partir de certo momento, acontecimentos que se passam no mundo maravilhoso. O maravilhoso é a suspensão das leis da natureza. Na natureza, nem os animais falam, nem os tapetes voam... Essa dimensão onirica responde à imaginação infantil e humana, em geral, e à necessidade de sonhar. Sem o sonho, o mundo não pula nem avança, parafraseando Sebastião da Gama. Toda a literatura infantil é um convite ao prazer do sonho.

A literatura infanto-juvenil transmite sempre um conjunto de valores e uma visão do mundo. Neste seu último livro, parte da relação entre uma neta e o seu avo, além de valorizar a família. Porquê?
Essa relação corresponde à realidade. E uma relação que se verifica diariamente, com os seus altos e baixos, evidentemente.
Mas é uma relação em que cabem, naturalmente, os pais, os avós, os amigos, os companheiros da escola. E nesse conjunto de relações, principalmente nas relações familiares, que se vai formando a personalidade da criança e a sua visão do mundo. Sem elas, a personalidade infantil corre o sério risco de ficar mutilada. Já alguém me disse que apreciou muito a forte presença dos avós nas histórias. Aconteceu naturalmente. Não fiz de propósito. Mas fiquei feliz por contribuir para a revalorização dos avós de que tanto hoje se fala.

No mundo em que vivemos, é importante sublinhar o lugar dos afetos nas relações familiares?
Sim, a educação dos afetos é fundamental. Os afetos, mais do que qualquer outra dimensão da personalidade, constituem a base imprescindivel da formação humana integral. Sem eles, a personalidade humana fica truncada. O ser humano move-se muito mais pelos afetos do que pela razão. Dai a importância da sua correta educação.

As várias histórias unem-se no processo de descoberta do mundo e da própria linguagem. Por que razão essa dupla descoberta é importante?
Sem linguagem não hả humanidade, não há afetos nem pensamento. O mundo aprende-se através da palavra. Nós próprios tomamos consciência de quem somos através da palavra. Dai a importância fundamental da aprendizagem da linguagem verbal. Uma das funções mais importantes, senão mesmo a mais importante, da literatura infantil é precisamente a aprendizagem da língua mater-na. Daí a necessidade imperiosa de ela ser o mais correta possível.

Como acompanha o rumo da literatura infanto-juvenil em Portugal?
Acompanho com muito interesse. Praticamente todos os nossos mais importantes escritores gostam de dar um saltinho, digamos assim, a esse universo especial da literatura, produzindo obras de inegável valor literário. A literatura infantil em Portugal não fica atrás de nenhuma outra no mundo. E muito abundante e de muitissima qualidade.Também por isso devia haver especial preocupação com levar as crianças e os jovens a lerem. Quanto sei, as escolas têm-se preocupado muito com desenvolverem nos alunos o gosto pela leitura. E altamente louvável.


Entrevista de Cândido Oliveira e Luísa Magalhães - UCP/ CEFH
 


Nota biográfica
 

Luís Alexandre Cabral da Silva Pereira nasceu no Peso da Régua, em 1947.

Doutorou-se em Literatura Portuguesa pela Faculdade de Filosofia de Braga da Universidade Católica Portuguesa (UCP) com a tese "Imagens da Lírica Camoniana. Reportório e Interpretação". Aí lecionou "Literatura Portuguesa", "Introdução aos Estudos Literários", "Teoria da Literatura”, entre outras disciplinas.
De 2010 a 2012 foi diretor do Jornal Diário do Minho, dirigindo atualmente a revista Bracara Augusta, editada pela Câmara Municipal de Braga. Para além de artigos de história e crítica literária em revistas da especialidade, de numerosas palestras e conferências sobre temas literários, publicou:
- Quase Silêncio (poemas). Braga, 1980.
- Histórias de Davidim (narrativa). Lisboa, Ver-bo, 1993 (livro distinguido com o Prémio Adolfo Simões Muller para Literatura Infantil).
- De Natal em Natal. Braga, APPACDM, 1994.
- Tomás de Figueiredo ou a poética da casa. Braga, Lyons de Braga, 2002.
- "Jerónimo Baía, Vida e Obra", em Vertigens do Barroco, Mosteiro de São Martinho de Ti-bães, 2007.
- "A Cadeirinha de Rodas", em 50 Histórias de Quem Foi Criança, Sintra, Girassol, 2008.
- Fixou o texto, prefaciou e escreveu as notas e glossários de Rimas Várias, Flores do Lima, de Diogo Bernardes, Porto, Edições Caixotim em 2009.
- Histórias de Boca Aberta, Braga, Calígrafo, 2014.
- Semanalmente, Braga, Diario do Minho, 2021.